Multimorbidade
O aumento da longevidade, associado à maior incidência de doenças crônicas não transmissíveis — como hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, dislipidemia, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), doença renal crônica, transtornos mentais, entre outras —, tem levado ao crescimento significativo dos casos de multimorbidade. Esses quadros geralmente decorrem de processos relacionados ao envelhecimento e, sobretudo, de fatores acumulados ao longo da vida, como hábitos e condições socioeconômicas.
Pessoas com multimorbidade costumam apresentar quadros clínicos mais complexos, exigindo decisões terapêuticas e diagnósticas mais desafiadoras. Muitas vezes, esses pacientes não se enquadram nas diretrizes clínicas tradicionais, que tendem a abordar condições isoladas. Isso reforça a necessidade de uma atenção individualizada, centrada na pessoa e com maior coordenação dos cuidados em saúde.
A coexistência de múltiplas doenças altera o prognóstico do paciente, variando de acordo com as interações entre essas enfermidades. Esse cenário impacta diretamente a funcionalidade e a qualidade de vida, além de aumentar o risco de hospitalizações prolongadas, custos com saúde, e eventos adversos relacionados à polifarmácia e interações medicamentosas.
Além da sobrecarga para os serviços de saúde, há também risco elevado de complicações clínicas, como o desenvolvimento de síndrome de fragilidade e evolução para demência. A multimorbidade também representa um desafio para a pesquisa científica, dificultando a comparação entre grupos de pacientes, a análise estatística e a interpretação de desfechos clínicos, servindo muitas vezes como viés de confusão.
Apesar de discussões sobre o impacto das comorbidades existirem desde a década de 1970, ainda não há consenso sobre a melhor definição ou método de avaliação da multimorbidade. Algumas abordagens a definem como a presença de múltiplas doenças em um mesmo indivíduo, simultaneamente. No entanto, simplesmente listar doenças pode não refletir o impacto real dessas condições na vida do paciente.
Esse tipo de abordagem pode gerar distorções, como considerar condições clínicas de gravidade muito diferentes como equivalentes, ou mesmo tratar sinais e sintomas inespecíficos como diagnósticos isolados. Por exemplo, considerar a tosse crônica como uma única condição sem investigar suas possíveis causas — como rinossinusite, refluxo gastroesofágico, tuberculose ou neoplasias — pode comprometer a precisão prognóstica.
Outros equívocos comuns envolvem considerar condições leves como se fossem graves, ou ainda incluir situações não patológicas, como gestação ou mudanças alimentares para controle de peso, como comorbidades.
Para contornar esses desafios, diversas metodologias passaram a atribuir pesos diferentes às doenças, levando em conta sua gravidade e impacto no prognóstico. Assim, surgiram os chamados índices de comorbidade, que são amplamente utilizados para estimar o risco clínico e permitir a comparação entre populações em estudos científicos.
Entretanto, a eficácia desses índices pode variar conforme a população analisada, o contexto em que são aplicados e a própria evolução dos métodos diagnósticos e terapêuticos, que influenciam diretamente na gravidade e desfechos das doenças.
Sugestões de leitura:
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