Equações para função renal
A doença renal crônica (DRC) é definida como a presença de anormalidades renais estruturais ou funcionais por um período igual ou superior a três meses, com implicações na saúde do indivíduo. Segundo o KDIGO (Kidney Disease: Improving Global Outcomes), recomenda-se a estimativa da taxa de filtração glomerular (TFGe) por meio de equações e a avaliação de microalbuminúria. Contudo, essas equações apresentam limitações quando aplicadas à população idosa, uma vez que esse grupo não foi adequadamente representado nos estudos originais.
As fórmulas mais utilizadas baseiam-se em marcadores endógenos, como a creatinina e a cistatina C. A creatinina sérica, um subproduto do metabolismo muscular, é amplamente disponível, de baixo custo e reprodutível, mas sofre influência de diversos fatores, como dieta, massa muscular, idade e método de análise. Sua produção pode variar, sendo secretada pelos túbulos renais, e pode ser afetada por medicamentos (como cimetidina e trimetoprima) e condições clínicas, como sarcopenia, desnutrição, hepatopatia e rabdomiólise.
Já a cistatina C, uma molécula da família dos inibidores da cisteína protease, é produzida por todas as células nucleadas e metabolizada pelas células do epitélio tubular. Apesar de não sofrer influência da dieta ou da massa muscular, sua disponibilidade para a prática clínica ainda é limitada.
A fórmula de Cockcroft-Gault é uma das mais clássicas, sendo originalmente baseada em medições de creatinina em coleta de urina de 24 horas. Como resultado, esta fórmula calcula o clearance de creatinina (ClCr), e não a TFGe propriamente dita. Essa diferença é relevante, pois o ClCr considera apenas a creatinina excretada pela via urinária, ignorando o volume de soro efetivamente filtrado pelos rins. A fórmula pode superestimar a função renal em pacientes obesos ou com edema significativo. Apesar dessas limitações, o ClCr ainda é amplamente utilizado em tabelas de ajuste de doses de medicamentos, garantindo à fórmula de Cockcroft-Gault sua relevância.
O KDIGO, no entanto, recomenda o uso da equação da Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration (CKD-EPI). A versão original de 2009 considerava a etnia como uma variável, mas as atualizações mais recentes (2021) removeram essa variável. Existem versões que utilizam apenas creatinina ou que combinam creatinina e cistatina C, sendo esta última a de maior acurácia. Contudo, o estudo original da CKD-EPI incluiu poucos pacientes com mais de 70 anos, o que limita sua aplicação na população idosa.
Fórmulas mais recentes, como a Berlin Initiative Study (BIS) e a Full Age Spectrum (FAS), foram desenvolvidas para populações específicas. A BIS baseia-se em um estudo alemão com indivíduos acima de 70 anos e possui uma versão que utiliza cistatina (BIS2), considerada mais precisa. Já a FAS, atualizada em 2021 pelo European Kidney Function Consortium (EKFC), foi projetada para ser utilizada em indivíduos a partir de dois anos de idade, com adaptações para diferentes faixas etárias. Tanto a BIS quanto a FAS necessitam de mais estudos comparativos em populações diversas.
É fundamental lembrar que nenhuma fórmula é universalmente aplicável em todas as situações clínicas. A interpretação dos resultados nem sempre é simples, especialmente devido ao processo de envelhecimento e à heterogeneidade da população idosa, que apresenta variações no grau de perda funcional renal, perfil antropométrico e status social. Além disso, o desenvolvimento de cada equação reflete métodos e populações distintas, exigindo cautela na aplicação clínica. Nesta página apresentamos abaixo funcionalidade para o cálculo pela Cockcroft-Gault e pela CKD-EPI 2021 (versão com creatinina).
Equações com creatinina
Interpretação*:
O KDIGO 2024 orienta utilizar a fórmula CKD-EPI (2021), preferencialmente a versão que combina cistatina C e creatinina. Naquele documento da DRC é classificada pela Taxa de Filtração Glomerular estimada e pela presença de microalbuminúria (obtida através da relação albumina-creatinina).
Pela TFGe (em ml/min/1,73m2):
Estágio 1: ≥ 90;
Estágio 2: 60 - 89;
Estágio 3a: 45 - 59;
Estágio 3b: 30 - 44;
Estágio 4: 15 - 29;
Estágio 5: < 15.
Pela albuminúria (em mg/g)
A1: < 30;
A2: 30 - 300;
A3: > 300.
Ressalta-se que, mais importante do que avaliações e classificações pontuais, é a aplicação seriada do instrumento e o julgamento quanto a variações ao longo do tempo.
* Salienta-se que os instrumentos de avaliação geriátrica devem ser utilizados em conjunto com anamnese e exame físico. Devendo ser interpretados sob a luz de julgamento clínico
Referências:
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