Velocidade de marcha
A marcha é uma atividade complexa que exige a integração de diversas funções orgânicas, incluindo o sistema cardiorrespiratório, a cognição, o equilíbrio, as sensibilidades superficial e profunda, além da função motora. Do ponto de vista motor, ao deambular, o indivíduo precisa coordenar as articulações e a musculatura dos tornozelos, joelhos e quadris para gerar força, empurrando o solo e, assim, impulsionando o corpo para frente. Além disso, os músculos atuam contra a gravidade para manter o corpo em pé. Quando ocorre déficit de força, há falha na execução do movimento ou ele se torna mais lento, o que compromete a qualidade de vida do indivíduo e limita sua independência.
A capacidade de deambulação faz parte da avaliação da funcionalidade básica em índices como os de Katz e Barthel. Além disso, é um componente essencial na avaliação da fragilidade e da sarcopenia. Na avaliação da sarcopenia, a medida da velocidade da marcha é utilizada como parte da avaliação da performance física. No entanto, essa medida não deve ser analisada de forma isolada, uma vez que diversas patologias podem interferir nesse parâmetro (como doenças osteomusculares, neurológicas e anormalidades sensoriais).
A redução da velocidade da marcha está associada a piores desfechos em idosos, como quedas, hospitalização, declínio cognitivo e mortalidade. Por ser uma medida rápida, simples, facilmente reprodutível e praticamente sem custo, sua avaliação deve ser considerada uma prática de rotina na avaliação geriátrica. A adoção de protocolos padronizados facilita a comparação entre diferentes indivíduos e o acompanhamento da evolução do mesmo paciente ao longo do tempo.
Na literatura científica, há diferentes propostas para a distância a ser percorrida durante o teste da marcha. Em estudos com idosos, essa distância varia entre três e trinta metros, sendo a mais utilizada a de quatro metros efetivamente percorridos. Essa distância é recomendada tanto pelo European Working Group on Sarcopenia in Older People (EWGSOP2) quanto pelo manual de sarcopenia da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), por exigir pouco espaço e ser facilmente aplicável em diferentes cenários, como ambulatórios e setores de internação.
Para a medição do tempo, um cronômetro simples é suficiente na prática clínica diária. No entanto, em contextos de pesquisa, há descrições do uso de dispositivos eletrônicos automatizados.
Alguns estudos sugerem a adoção de áreas específicas para aceleração e desaceleração, nas quais o cronômetro não estaria ativo. Embora não seja uma prática unânime, recomenda-se esse procedimento especialmente para pacientes frágeis, que podem necessitar de até 2,5 metros para atingir uma velocidade estável, conforme demonstrado no estudo de Lindemann et al. Caso as fases de aceleração e desaceleração não sejam utilizadas, o cronômetro deve ser iniciado junto com o início da marcha.
Orientações:
– Demarque, em uma superfície plana, uma distância de 4 metros (m);
– Sugere-se a utilização de áreas para aceleração e desaceleração (2,5 m cada);
– Utilize um cronômetro para marcação do tempo;
– Certifique-se de que o paciente esteja usando roupas e calçados confortáveis e seguros;
– Garanta que o ambiente seja amplo, iluminado e seguro para a realização do teste;
– Explique como o teste será realizado e faça uma demonstração para o paciente;
– Oriente o indivíduo a percorrer a distância em um único sentido, em sua velocidade habitual, permitindo o uso de dispositivos assistivos de marcha, se necessário;
– Utilize o cronômetro para marcar o tempo percorrido;
– Após esclarecer todas as dúvidas, dê a ordem de início: “Pronto? 3…2…1… Vai!”;
– Durante a avaliação, o examinador deve idealmente caminhar atrás do paciente para prevenir eventuais quedas;
– Considere uma única tentativa. O examinador pode optar por realizar mais de uma medida e calcular a média entre elas.
*Para facilitar a avaliação, criamos o cronômetro abaixo:
Velocidade de Marcha
Interpretação*:
EWGSOP2 e SBGG
Velocidade de marcha < 0,8m/s
Necessários mais que 5s para completar o percurso
Indica pior performance física na avaliação de sarcopenia
Ressalta-se que, mais importante do que avaliações e classificações pontuais, é a aplicação seriada do instrumento e o julgamento quanto a mudanças funcionais ao longo do tempo.
* Salienta-se que os instrumentos de avaliação geriátrica devem ser utilizados em conjunto com anamnese e exame físico. Devendo ser interpretados sob a luz de julgamento clínico
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