CHA2DS2-VA
Pacientes com fibrilação atrial (FA) apresentam risco aumentado para fenômenos cardioembólicos, sendo o acidente vascular cerebral (AVC) a complicação mais temida. Para a prevenção desses eventos, é fundamental identificar os indivíduos com maior risco e, a partir disso, indicar a terapia anticoagulante como estratégia de profilaxia primária.
A estimativa do risco de AVC pode variar de acordo com as características da população avaliada, mas, de modo geral, considera-se como de baixo risco os pacientes com incidência de AVC inferior a 01% ao ano. Os grupos de risco intermediário apresentam incidência entre 01% e 02%, enquanto aqueles com risco elevado superam os 02% ao ano. Nessas circunstâncias, a anticoagulação é fortemente recomendada para pacientes com risco elevado e pode ser considerada para aqueles com risco intermediário, conforme julgamento clínico individualizado.
Historicamente, a estratificação do risco tromboembólico em pacientes com FA era feita por meio do escore CHADS₂, proposto por Gage et al. em 2001. O acrônimo representa: C para insuficiência cardíaca (IC), H para hipertensão arterial sistêmica (HAS), A para idade igual ou superior a 75 anos (do inglês age), D para diabetes mellitus (DM) e S para história prévia de AVC ou AIT (stroke). Cada critério valia um ponto, com exceção do item “S”, que somava dois pontos. A recomendação era iniciar anticoagulação quando o paciente acumulasse dois ou mais pontos.
Apesar de seu uso inicial, o CHADS₂ apresentava limitações, especialmente na identificação de pacientes considerados de baixo risco (escore 0), os quais, em estudos populacionais, mostraram taxas de AVC entre 01% e 02% ao ano — patamar considerado já preocupante.
Com o objetivo de aprimorar a sensibilidade do modelo, Lip et al. propuseram em 2010 o escore CHA₂DS₂-VASc. O acrônimo passou a incluir:
– C: Insuficiência cardíaca congestiva (01 ponto);
– H: Hipertensão arterial sistêmica (01 ponto);
– A2: Idade ≥ 75 anos (02 pontos);
– D: Diabetes mellitus (01 ponto);
– S2: AVC, AIT ou tromboembolismo prévio (02 pontos);
– V: Doença vascular (infarto do miocárdio, doença arterial periférica, placas de aorta) (01 ponto);
– A: Idade entre 65 e 74 anos (01 ponto);
– Sc: Sexo feminino (01 ponto).
A principal vantagem do CHA2DS2-VASc foi a melhor capacidade de identificar pacientes verdadeiramente de baixo risco, que poderiam permanecer sem anticoagulação. A classificação de risco passou a considerar baixo risco os homens com escore 0 e as mulheres com escore 01. Já os pacientes com risco intermediário apresentavam 01 ponto (homens) ou 02 pontos (mulheres), e aqueles com risco elevado somavam 02 ou mais pontos (homens) e 03 ou mais (mulheres).
Entretanto, é discutível se o sexo feminino realmente configura um fator de risco independente para fenômenos tromboembólicos. Há indícios de que o risco observado em mulheres possa estar mais relacionado à idade avançada do que ao gênero em si. Além disso, estudos apontaram menor taxa de prescrição de anticoagulantes entre mulheres, o que também pode ter contribuído para o aumento do risco de eventos, reforçando o viés de gênero presente em dados históricos.
Diante dessas considerações, surgiu uma nova versão do escore: o CHA2DS2-VA, que exclui o critério de sexo. Essa modificação trouxe leve melhora na acurácia preditiva e promoveu avanços na aplicabilidade prática, como:
– Redução da complexidade na tomada de decisão clínica, com ponto de corte único para todos os indivíduos, independentemente do gênero;
– Inclusão de pessoas transgênero, não-binárias e em terapia hormonal, cuja classificação anterior era pouco clara;
– Diminuição do risco de erro de interpretação por parte dos profissionais de saúde.
Essa nova abordagem foi endossada pelo guideline europeu de fibrilação atrial (ESC 2024), que recomenda o uso do CHA2DS2-VA como uma alternativa válida e prática ao modelo anterior.
Apesar da utilidade dos escores na prática clínica, é importante reforçar que esses instrumentos têm capacidade preditiva apenas moderada. Cada fator incluído carrega um peso distinto em termos de risco real, mesmo quando a pontuação atribuída é igual. Ademais, embora os pontos de corte auxiliem a tomada de decisão, o risco tromboembólico aumenta progressivamente com a pontuação total, o que deve ser levado em consideração ao avaliar a indicação de anticoagulação.
CHA2DS2-VA
Interpretação*:
O CHA2DS2-VA avaliar o risco de fenômenos tromboembólicos, em um ano, relacionados à FA. O guideline europeu de FA (ESC 2024) sugere a seguinte recomendação:
Escore 0 ponto (risco baixo): sem recomendação de anticoagulação;
Escore 01 ponto (risco intermediário): considerar anticoagulação; avaliar caso a caso, baseado em julgamento clínico;
Escore 02 ou mais pontos (risco elevado): anticoagulação recomendada, considerar risco de sangramento.
Salienta-se que a avaliação seriada é mais crucial do que uma única aplicação pontual do instrumento. Além disso, destaca-se a possibilidade de variação de resultados entre examinadores.
Ressalta-se que, mais importante do que avaliações e classificações pontuais, é a aplicação seriada do instrumento e o julgamento quanto a variações ao longo do tempo.
* Salienta-se que os instrumentos de avaliação geriátrica devem ser utilizados em conjunto com anamnese e exame físico. Devendo ser interpretados sob a luz de julgamento clínico.
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