CHARGE-AF
Embora ainda seja um tema em debate na literatura científica, o rastreamento da fibrilação atrial (FA) por meio de instrumentos específicos pode ser útil na adoção de medidas preventivas e na otimização do prognóstico, ao permitir a identificação precoce de indivíduos com alto risco. Esse rastreamento pode ser realizado utilizando eletrocardiograma (ECG) isolado, de forma repetida ou contínua, ou ainda com o auxílio de dispositivos eletrônicos, como smartwatches.
Diversos escores foram desenvolvidos para estimar o risco de desenvolvimento de FA, entre eles o do Framingham Heart Study (FHS) e o Atherosclerosis Risk in Communities (ARIC). Ambos foram baseados inicialmente em coortes únicas e dependiam de informações obtidas por meio de ECG.
Para facilitar a aplicação na prática clínica, foi criado o escore CHARGE-AF, proposto por Alonso et al., desenvolvido a partir da análise de cinco coortes dos Estados Unidos e da Europa, incluindo dados do FHS e do ARIC. O estudo original apresentou duas versões do modelo, sendo que a versão expandida incluía dados eletrocardiográficos. No entanto, segundo os autores, a inclusão desses dados não melhorou significativamente a capacidade preditiva. Assim, nesta página, será abordado o modelo que não requer informações de ECG.
O CHARGE-AF deve ser aplicado em pacientes sem histórico prévio de fibrilação atrial, com idade entre 46 e 94 anos e creatinina sérica inferior a 2 mg/dL. A validação do modelo na coorte EPIC Norfolk sugeriu a necessidade de recalibração, devido à tendência de superestimar o risco. Em estudo posterior conduzido por Khurshid et al., com base em uma coorte de 4 milhões de indivíduos, observou-se que aqueles com rastreio positivo pelo CHARGE-AF apresentaram risco 2,87 vezes maior para desenvolvimento de FA, 1,92 vezes maior para acidente vascular cerebral (AVC) e 2,51 vezes maior para insuficiência cardíaca (IC).
A diretriz conjunta das sociedades americanas ACC/AHA/ACCP/HRS, publicada em 2023, reconhece a existência de diferentes instrumentos de avaliação de risco, sendo o CHARGE-AF o mais amplamente replicado. De acordo com essas diretrizes, pacientes classificados como de alto risco tendem a apresentar taxas mais elevadas de detecção de FA no rastreio com ECG. No entanto, ainda não há evidências conclusivas de que o rastreamento, seguido de intervenção, resulte em melhora na sobrevida ou na redução da incidência de AVC.
Por outro lado, a diretriz da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC), publicada em 2024, recomenda o rastreamento de FA em indivíduos com mais de 65 anos, utilizando dados do exame físico e do ECG. Também sugere considerar o rastreamento em pessoas com mais de 75 anos ou com mais de 65 anos e escore CHA₂DS₂-VA elevado. Contudo, esse documento não faz recomendações específicas sobre o uso de questionários para o rastreamento da arritmia.
CHARGE-AF
*Não utilizar se creatinina acima de 2,0mg/dL
Interpretação*:
O CHARGE-AF avaliar o risco de desenvolvimento de FA no intervalo de cinco anos, sendo estratificado da seguinte maneira:
Abaixo de 2,5%: risco baixo;
2,5 – 5%: risco intermediário;
Acima de 5%: risco elevado
Salienta-se que a avaliação seriada é mais crucial do que uma única aplicação pontual do instrumento. Além disso, destaca-se a possibilidade de variação de resultados entre examinadores.
Ressalta-se que, mais importante do que avaliações e classificações pontuais, é a aplicação seriada do instrumento e o julgamento quanto a variações ao longo do tempo.
* Salienta-se que os instrumentos de avaliação geriátrica devem ser utilizados em conjunto com anamnese e exame físico. Devendo ser interpretados sob a luz de julgamento clínico.
Referências:
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Khurshid S, Kartoun U, Ashburner JM, Trinquart L, Philippakis A, Khera PT et al. Performance of Atrial Fibrillation Risk Prediction Models in Over 4 Million Individuals. Circ Arrhythm Electrophysiol 2021; 14(1): e008997. doi: 10.1161/CIRCEP.120.008997.
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